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Guerra Comercial e Guerra Fria: qual a diferença?

Written by Redação Logcomex | 30.7.2020

Evidente que guerra comercial e guerra fria não são a mesma coisa, mas se existe algo em comum entre as duas é que ambas influenciaram fortemente o Brasil e, na verdade, o conflito comercial entre China e EUA continua afetando, porque ele não acabou.

Porém, seria possível este conflito comercial evoluir para uma guerra fria?

Não pretendo com este texto dar uma aula de história, mas apresentar os conceitos e as características mais relevantes de uma guerra comercial e de uma guerra fria para, por fim, tratar das diferenças, semelhanças e iniciar uma discussão sobre até que ponto ela poderia chegar. 

O que foi a Guerra Fria?

Foi um conflito geopolítico e ideológico, que durou por volta de 40 anos, polarizado pelas superpotências Estados Unidos e a União Soviética, caracterizado, neste ínterim, pela ausência de conflito armado direto.

Em razão das duas superpotências, na época, possuírem poder econômico e militar inalcançáveis por um terceiro, e por seguirem ideologias antagônicas, uma via a outra como o novo mal a se combater

Mas, essa luta acontecia, em suma, pela capacidade de atrair mais aliados para seu lado, especialmente com incentivos econômicos ou militares.

Credita-se, em princípio, a criação do termo “Guerra Fria”, do inglês Cold War, a George Orwell no seu ensaio You and the Atomic Bomb (Você e a Bomba Atômica), publicado em 19 de outubro de 1945. 

Sim, o mesmo George Orwell dos livros 1984 e a Revolução dos Bichos.

Quando a Guerra Fria começou?

Diferente das grandes guerras mundiais em que se declara um dia exato de início, não é o que acontece numa Guerra Fria.

A situação começou ainda na Segunda Guerra Mundial, quando a Aliança, formada principalmente pelos capitalistas Estados Unidos e Reino Unido, e a Comunista (ou o mais próximo que conseguiram aplicar da doutrina) União Soviética, lutaram contra o Eixo, formado principalmente por Alemanha, Itália e Japão.

Já era visível o antagonismo na doutrina dos Aliados, mas nada como uma ameaça em comum para uni-los.

Com o fim da Segunda Guerra e da ameaça que tinham em comum, começou a ficar evidente a tensão entre os dois países.

E o clima piorou a partir de 1945 após ficar decidido como iriam dividir a derrotada Alemanha e, devido a importância da capital Berlim, a divisão também foi aplicada a ela.

Ou seja, EUA e União Soviética faziam fronteira, sendo separados pela Cortina de Ferro que dividia a Europa em Ocidental e Oriental.

“Em 1949, a Alemanha foi oficialmente retalhada em quatro partes (…), transformando-se no perfeito tubo de ensaio que colocava lado a lado as doutrinas dos blocos comunista e capitalista. (…) Em setembro do mesmo ano, foi realizada a primeira explosão atômica da União Soviética, sendo que a divulgação oficial ocorreu apenas em 1950. Os holofotes do palco mundial agora voltavam-se para os Estados Unidos e União Soviética, A Guerra Fria havia começado.”

Os 50 maiores erros da humanidade, pag 608.

Conforme a situação se tornava cada vez mais insustentável por diversas razões, a Alemanha Oriental decide, no dia 13 de agosto de 1961, construir um muro ao redor de Berlim, tornando-se esse um dos principais símbolos da Guerra Fria.

Quais são as características de uma Guerra Fria?

Como explicado, a Guerra Fria foi uma disputa geopolítica de poder, tendo como justificativa que a ideologia do inimigo era uma ameaça às suas crenças e valores e, por haver o constante medo que uma delas iniciassem a III Guerra Mundial é que a frase do sociólogo francês ficou famosa ao definir a Guerra Fria:

“Guerra improvável, paz impossível.”

Raymond Aron

Esse conceito ficará claro nas características abaixo;

Polarização Política

Esta é inegavelmente a principal característica do período, você tinha que escolher um lado, nada de ”calma lá, não é bem assim“, se pensasse diferente do que seu país pregava você era um traidor e as consequências, a depender de onde vivesse, não se limitariam a perder amigos ou emprego.

Corrida Armamentista e Militar

Em 1945, depois que os Estados Unidos lançaram duas bombas nucleares para forçar a rendição do Japão, ficou entendido que possuir esse tipo de arsenal era o novo determinante de “poderio militar”.

A União Soviética não perdeu tempo e quatro anos depois já havia testado sua primeira bomba com sucesso (adiante saberemos como conseguiram o feito com tanta velocidade).

Mas não é apenas com bombas nucleares que um país se protege, ambos lados começaram a formar suas alianças militares, por isso surgiu do lado ocidental, em 1949, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e a turma da Foice e do Martelo iniciaram em 1955 o Pacto de Varsóvia.

O objetivo dessas alianças militares era para simplesmente dizer “se mexer comigo, vai ter que encarar meus amigos também”.

Ajuda econômica aos países aliados

Dizer que um país entrou para OTAN ou para o Pacto de Varsóvia por motivos ideológicos e para combater o inimigo Comunista/Imperialista era apenas papo para as massas.

O que realmente incentivava estes países era o dinheiro e, novamente (veremos bastante ainda), os dois lados abriram seus caixas para financiar os países destruídos pela II Grande Guerra, tanto em infraestrutura quanto economicamente, ou ambos. 

O que era o caso de quase todo mundo que participou.

Do lado dos EUA havia o Plano Marshal (1948), que não se limitou a ajudar apenas aliados, pois também financiou a Alemanha e o Japão.

Por parte do Bigode Grosso Stalinista, foi fundado, no ano seguinte, o Conselho para Assistência Econômica Mútua (COMECON).

Corrida Espacial

Este aspecto costuma ser citado como parte da Corrida Militar, pois dominar a ciência da explosão controlada de um foguete passa uma mensagem bem direta.

Entretanto, acredito que a corrida para conquistar o espaço merece uma menção especial, ainda mais porque muita da tecnologia em comunicação e navegação foi oriunda desse período.

No quesito “primeiro”, ela foi primordialmente vencida pelo Programa Espacial Soviético, que foi o primeiro a:

  • lançar míssil intercontinental
  • lançar satélite artificial
  • mandar animal para o espaço
  • mandar homem e depois mulher para o espaço
  • caminhar no espaço e
  • sofrer impacto na Lua.

Estes são só alguns exemplos do que o programa conquistou entre 1957 e 1959, mas nem sempre com muita transparência…

A cachorra Laika, por exemplo, morreu entre 5 e 7 horas depois do lançamento de seu foguete e isso só foi revelado no século XXI.

Os 50 maiores erros da humanidade, pag 611.

Para recuperar o tempo perdido, os Estados Unidos fundaram a NASA em 1958 e, em pouco menos de 11 anos, o voo espacial tripulado Apollo 11 fez os primeiros homens caminharem na Lua.

Agências Secreta/Espionagem/Inteligência

A espionagem moderna não começou na Guerra Fria, tanto que a espionagem soviética soube do Projeto Manhattan em 1939, antes mesmo do FBI.

As the top-secret plan to build the bomb, called the Manhattan Project, took shape in the United States, the Soviet spy ring got wind of it before the FBI knew of the secret program’s existence.

smithsonianmag.com/

Porém, tendo a Alemanha, especialmente Berlim como parquinho para brincar de gato e rato, as ações de espionagem escalaram sem precedentes – não à toa que CIA (1947), Stasi (1950) e KGB (1954) foram fundadas nesse período.

Pode não ter havido confronto direto em guerras, mas embates, prisões e execuções no mundo da espionagem ocorreram entre os membros dessas agências e outras, como a Guonbu (China) e MI6 (Reino Unido).

Bem como foram as responsáveis por operacionalizar as:

Guerras Indiretas

Em alguns casos bastava enviar dinheiro e/ou armamento para que golpes ou revoluções em países querendo se livrar dos “malditos capitalistas/comunistas” surgissem.

Existiram conflitos armados onde soldados de um dos lados estava no fronte, todavia, não ocorreram em seus territórios, os exemplos mais conhecidos são: 

  • Guerra da Coreia (1950), a do Vietnã (1959) e a do Afeganistão (1979)
  • Golpes Militares no Brasil, Argentina e Chile
  • Revoluções Chinesas e Revolução Cubana.

Golpe e Revolução não é a mesma coisa, se quiser saber a diferença, confira depois aqui.

Contudo, mesmo em se tratando de conflitos indiretos, houve momentos bastante preocupantes.

Como durante a crise dos Mísseis em Cuba, a tensão entre os dois países chegou num nível tão alto que, no ano seguinte, foi instalada uma linha direta entre Washington e Moscow, conhecida pelo nome Telefone Vermelho (Moscow – Washington Hotline), para que quaisquer tensões eminentes pudessem ser dissipadas com maior celeridade.

Em suma, para que nenhum dos lados mandasse uma bomba nuclear na cabeça do outro por mal entendido é que havia essa linha direta de comunicação, pois ambos tinham ciência que, se um dos lados começasse uma guerra nuclear não ia sobrar muito de nenhum dos lados e nem de seus aliados.

O que é uma Guerra Comercial?

Conflito entre duas ou mais nações a respeito de barreiras tarifárias e/ou não tarifárias aplicadas entre as envolvidas; esse tipo de conflito normalmente ocorre quando os países em questão tentam melhorar as importações e exportações para si mesmas.

É uma manobra protecionista agressiva que encarece os produtos de quem exporta, consequentemente força importadores a adquirirem de outros países ou no mercado interno.

Seja manobra populista ou retaliação da outra parte que diz “foi ele que começou”, sabemos, no Comércio Exterior, que quem paga a conta dessa briga é o consumidor final.

Quando a Guerra Comercial China X Estados Unidos começou?

Sua vinda já era anunciada em 2016 pelo então candidato à presidência Donald Trump.

Em 2017, o presidente chinês Xi Jiping visitou o já eleito presidente americano para dialogar sobre o assunto, mas, a despeito deste esforço, os Estados Unidos aplicaram, à partir de fevereiro de 2018, tarifas sobre produtos como painéis solares, máquinas de lavar roupa, aço e alumínio.

As tarifas não foram direcionadas diretamente à China, mas foi o país mais afetado e foi assim que as retaliações começaram.

Se deseja acompanhar a linha do tempo dessa Guerra, pode conferir aqui.

Qual a diferença entre Guerra Fria e Guerra Comercial?

A Guerra Fria dividiu o mundo em dois, era preciso escolher um lado e muitos o fizeram especialmente para se reconstruir, se proteger ou se tornar independente.

E cada um destes lados se limitava a relacionar com seus amiguinhos do bloco.

Enquanto a Guerra Comercial são apenas duas grandes potências brigando comercialmente pela hegemonia do Comércio Internacional, contudo, diferente da Guerra Fria, estas duas são interdependentes.

Ou seja, os Estados Unidos financiam a continuidade do Partido Comunista Chinês no poder e a China financia os valores norte americanos, que já conhecemos de tanto assistirmos as produções hollywoodianas.

Tanto China quanto Estados Unidos são o principal destino das exportações de cada, além disso, a China é a principal financiadora da dívida norte americana.

Existe uma tensão comercial e diplomática? Sim, contudo, ela é tamanha a ponto de temermos uma III Grande Guerra por medo de um jogar uma bomba nuclear no outro? 

Não. 

Ou você jogaria uma bomba em quem te deve mais de um trilhão de dólares em dívida pública?

Ademais, outros países não precisam escolher um lado nessa briga, até porque é dela que surgem oportunidades comerciais para serem preenchidas por outras nações.

A Guerra Fria pode voltar?

Dizer nunca é sempre perigoso, a história é cíclica, mas não creio que viverei para testemunhar algo igual.

De fato, todas as características que listei da Guerra Fria continuam presentes até hoje, mas sem a “corrida” daquela época. Um bom exemplo disso, é o orçamento anual da Nasa.

Hoje já é mais de uma dezena de países que possuem armas nucleares, é comum nações emprestarem dinheiro ou enviarem soldados para participarem da luta dos outros, a pesquisa espacial já é realizada por empresas privadas e difícil um país (com estabilidade) que não tenha um serviço de inteligência.

Há quem chame a situação atual de Guerra Fria 2.0, devido as características citadas e por ela ocorrer muito mais de forma financeira, seja com dívidas públicas ou investimentos internacionais (papo para outro texto).

Leia também: Valor Aduaneiro na Importação, o que preciso saber?